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terça-feira, 16 de março de 2010

José Antonio Sorge, da Rede Energia: Desafios e perspectivas para o setor elétrico em 2010

O ano de 2010 é de grandes desafios para o setor elétrico devido a questões importantes que permanecem sem solução. É preciso separá-las, para análise, entre os diversos segmentos do setor e a área governamental

José Antonio Sorge, da Rede Energia, para a Agência CanalEnergia, Artigos e Entrevistas
04/02/2010

O ano de 2010 é de grandes desafios para o setor elétrico devido a questões importantes que permanecem sem solução. É preciso separá-las, para análise, entre os diversos segmentos do setor e a área governamental. O segmento de geração tem desafios importantes na prorrogação das concessões e na regulação dos pequenos e médios produtores, que têm sido surpreendidos com constante alteração de regras.

A incerteza no lado da oferta poderia advir das complexas questões ambientais envolvidas e das dúvidas relativas à capacidade econômico-financeira de alguns dos grupos vencedores dos leilões em construir as obras vencedoras nestes certames. No entanto, pelo lado da demanda, o atraso de um ano no consumo de energia verificado no país em 2009, contribuiu para eliminar incertezas no atendimento ao mercado para o próximo quinquênio.

No segmento de transmissão, o tema principal é a segurança do sistema, face ao apagão ocorrido em novembro. Algumas inovações técnicas deverão ser implementadas para aumentar o nível de isolamento nas subestações principais do sistema interligado, falha que aparentemente motivou o apagão. Preocupam, neste segmento, ações para aumento da segurança do sistema em níveis superiores aos adotados nas normas internacionais, que poderão impor maiores custos aos consumidores.

Também é preciso maior sensibilidade do MME e EPE para o planejamento da expansão da Rede Básica em regiões de fronteira de desenvolvimento como, por exemplo, áreas do Pará e Mato Grosso. A demanda nestas regiões cresce acima da média nacional, mas a decisão para expansão da Rede Básica tem sido tomada de forma morosa e incompatível com seu crescimento. Na comercialização, tem havido avanços significativos.

O mercado livre está consolidado, com quase 700 consumidores e com 24% de market-share, proporcionando redução de custos nos setores comercial e industrial. Foi divulgada, no final de 2009, a “Carta de Florianópolis” onde constam ações para a evolução deste mercado, com destaque para a necessidade de haver maior sinergia entre o mercado livre e regulado, permitindo trocas de excedentes entre estes ambientes e a implantação de mecanismos financeiros para aumento da liquidez e garantias.

No segmento de distribuição, os desafios talvez sejam os maiores. Por se situarem na ponta arrecadadora e, por ser a face visível do setor perante o consumidor, as distribuidoras tem sofrido, injustamente, desgaste de imagem perante a sociedade. De todo o volume arrecadado, apenas 25% do valor é retido pelo segmento de distribuição. Os demais 75% referem-se a custo da geração e transmissão e também a encargos e tributos, que chegam a mais de 40% do total arrecadado. A melhoria de qualidade do fornecimento é crescente.

Sempre haverá fatos isolados, que não são regra, mas que contribuem para a falsa idéia de deterioração da qualidade dos serviços. Basta observar os índices do setor divulgados pela Abradee, onde se constata a evolução havida desde o início do processo de privatização em 1995. O DEC decresceu de 27,2 horas por consumidor em 1997 para 16,6 horas em 2008 e o FEC decresceu de 21,7 interrupções por consumidor para 11,4 interrupções no mesmo período. Esta melhoria foi conseguida através de grandes investimentos realizados. A gestão mais eficiente das empresas proporcionou saltos de qualidade na última década, tornando-se o serviço público mais universalizado do país e com índice de satisfação médio de 80%.

Na área governamental, podemos destacar como fator de insegurança a indefinição das regras para prorrogação das concessões a partir de 2015. Licitar não é a solução, pois não existem razões econômicas e regulatórias que justifiquem a licitação das concessões de distribuição, uma vez que estas já são submetidas a processos periódicos de revisão tarifária, onde os ganhos de eficiência e produtividade são direcionados em benefício dos consumidores. Para a geração questiona-se por que investimentos devem ser direcionados para ativos existentes em eventual licitação, quando a prioridade deve ser a expansão da oferta. O bom senso, acima de questões legais e regulatórias, indica que as concessões devem ser prorrogadas.

É preciso também transparência nas decisões do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). Recentes declarações do ONS afirmam que o CMSE deverá decidir sobre o despacho de termelétricas, ainda em janeiro, para melhorar a segurança do sistema. Não há razoabilidade econômica em fazer o consumidor pagar mais esta conta num momento em que há vertimentos generalizados. São assuntos desta importância que merecem ter maior participação dos agentes e da sociedade em suas deliberações.

Outro tema relevante é a atualização da demanda contratada e da energia vendida nos leilões em 2008. As declarações de compra pelas distribuidoras para 2011 e 2013 foram realizadas no primeiro semestre de 2008, quando não havia sinais da crise mundial que diminuiu o ritmo do consumo de energia. É justo haver revisão da oferta e demanda até 2013, permitindo às distribuidoras alterarem seus contratos e aos empreendedores com dificuldades de viabilização das novas Usinas (todas termelétricas) declinarem, sem ônus, de alguns de seus compromissos. O consumidor e o meio-ambiente agradecerão imensamente o menor custo nas contas de energia e a eliminação de parte das fontes poluidoras que estão projetadas para os próximos anos.

Por fim, é preciso dar estabilidade ao modelo vigente. As críticas nem sempre apresentam soluções factíveis, mas foram reacesas em função do apagão ocorrido em novembro, surpreendentemente vindas de ex-membros do atual Governo. Em 2004, questionou-se a necessidade de reformular radicalmente o modelo do setor e se não teria sido mais eficaz o aprimoramento do modelo então vigente. Uma vez tomada a decisão pela mudança, as regras agora necessitam ser preservadas. Evoluções e ajustes sempre serão necessários, no entanto, a estabilidade no conjunto global da regulação é condição essencial para a atração de investimentos.

José Antonio Sorge é vice-presidente de mercado e relaçãoes institucionais da Rede Energia

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