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segunda-feira, 29 de março de 2010

Miniapagões aumentam 70% em um ano no país


Baixo investimento das distribuidoras é uma das causas

  • 29 Mar 2010
  • Valor Economico
  • Danilo Fariello (Colaborou Josette Goulart, de São Paulo)
  • De Brasília


Nos últimos meses, os consumidores de três grandes regiões do país — áreas metropolitanas de São Paulo, Rio e Distrito Federal — passaram a conviver com miniapagões de energia elétrica em número e intensidade muito maiores do que nos últimos anos. Na comparação entre os 12 meses até o auge do verão de 2009 com o mesmo período até 2010, o indicador do número de horas/ano sem energia aumentou entre 50% e 70% — de 10 a 11 horas/ano, no verão de 2009, para 15 a 17 horas/ano, dependendo da prestadora de serviço.

Apesar do grande apagão com origem nas linhas de Itaipu, em novembro — que responde pela maior parte desse aumento —, no caso de Light e Ampla, no Rio, e Eletropaulo, em São Paulo, os indicadores de qualidade pioraram tanto nos meses anteriores como nos posteriores a novembro. Para os consumidores atendidos pela CEB, noDistrito Federal, o serviço piorou menos, mas apenas porque ele já era o pior entre as quatro distribuidoras.

Na média do Sudeste, o número de horas sem energia com a qual consumidores conviveram entre o verão de 2009 e o de 2010 (até janeiro) aumentou 30%, ficando estável no Nordeste e no Sul e um pouco maior (entre 5% e 10%) no Norte e Centro-Oeste. Em número de horas, em nenhum caso o aumento foi dramático, mas no Sudeste o indicador passou de 10 para 13 horas/ano, enquanto na região da Eletropaulo subiu de 10 para 17 horas/ano — evolução que inclui o grande apagão de novembro de 2009. Como os dados são em 12 meses, não é possível isolar o apagão e o pós-apagão.

Para o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, há blecautes justificados e outros sem justificativa nos cortes recentes de energia. Na primeira categoria ele citou apenas o que afetou Angra dos Reis (RJ) em janeiro, com queda de encostas por causa de chuvas. Já o diretorEdvaldo Santana diz que empresas como Light e CEB estão hojeem umaespécie de intervenção branca, pois os fiscais da Aneel terminam um processo de fiscalização e em seguida abrem outro em função da quantidade de apagões. Nessas empresa há falta de investimentos e a consequente falha na manutenção de equipamentos, diz. “Não são investimentos que não foram feitos ontem, mas há cinco ou seis anos.”

Entre as diversas causas dos miniapagões frequentes nas redes, duas grandes se destacam: baixo investimento das distribuidoras e o verão mais chuvoso em décadas. As próprias empresas envolvidas admitem que o investimento dos últimos anos foi insuficiente para dar conta da combinação de alta do consumo e fortes tempestades.

De acordo com o último dado consolidado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Energia (Abradee), que vai até 2008, com exceção de 2003, ano em que os investimentos caíram cerca de 4%, tem sido crescente o volume de investimentos. Em 2008, entretanto, o total investido, de R$ 8,77 bilhões foi apenas 3% maior que o ano anterior. Naquele mesmo ano, apesar da crise que afetou o consumo no último trimestre, os brasileiros consumiram quase 6% mais energia.

Se de um lado os investimentos estão sendo vistos como insuficientes, de outro os lucros das empresas têmsido muito maiores que o investido, mesmo naquelas que têm sido questionadas pela qualidade do serviço. O relatório de fiscalização da Aneel feito em função dos apagões de dezembro na área de concessão da Light diz que redes subterrâneas da empresa têm condições precárias de manutenção e que não fazer manutenção maximiza o lucro da empresa. Mesmo tendo problemas na rede, em 2009 a empresa lucrou R$ 528 milhões, mais que o total do seu investimento no mesmo ano.

O investimento das distribuidoras é monitorado pela Aneel e os recursos para pagar os investimentos estão embutidos no cálculo das tarifas de energia. Assim, a cada processo de revisão que ocorre a cada quatro ou cinco anos, a depender da distribuidora, é avaliado o total do investimento a ser feito para manter e expandir a rede até o próximo ciclo. Esse investimento determina o que é conhecido como fator X, que é deduzido do índice de inflação que corrige a parte da tarifa que vai diretamente para a distribuidora.

Santana, da Aneel diz quenopróximo ciclo de revisão, o terceiro, as empresas que não investirem o que foi definido no segundo ciclo terão descontada nas tarifas seguintes esse investimento já pago pelos consumidores. No último ciclo foram as empresas que apresentaram o valor a ser investido; o problema é que nem tudo foi reconhecido como necessário pela Aneel.

Até o ano passado, a discussão sobre o reajuste ocorria em um momento e, em outro posterior havia a definição das metas de qualidade das concessionárias — dados pelos índices DEC (duração dos cortes ) e FEC (número de interrupções no fornecimento). O baixo investimento, portanto, pode ter tido “aval” da agência, que, preocupada em conter as tarifas, deixava para impor a qualidade das redes com a receita das empresas já definida.

Algumas das companhias mais afetadas pelos miniapagões (Eletropaulo, Light, Ampla e CEB) figuram na lista das tarifas mais baixas do país. Uma das razões de as tarifas serem menores estaria no volume mais baixo de investimento exigido, proporcionalmente à área de atuação. Entre 2004 e 2009, por exemplo, a tarifa residencial da Eletropaulo ficou 5,2% menor, enquanto a daAmpla caiu 0,17%, a da CEB recuou 7,3% e a da Light subiu 0,66%, considerando o preço por kilowatt/hora (kWh).

Romeu Rufino, diretor da Aneel responsável pelos controles de qualidade, reconhece que o maior desafio hoje é calibrar tarifas módicas e investimentos das empresas. Segundo ele, a agência tem avançado nesse balanceamento. “Não alimentamos expectativa de risco zero nas redes, porque isso teria preço proibitivo, mas temos a responsabilidade de fiscalizar e cobrar as empresas distribuidoras, que têm nível mínimo de qualidade definido nos contratos”, disse Rufino, no dia 18, enquanto a luz oscilava em sua sala na Aneel, prenunciando um blecaute de quase três horas.

As chuvas e a falta de investimentos não foram, porém, os únicos fatores a levar a uma degradação das redes nos últimos anos, na avaliação de consumidores. Para Ricardo Lima, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace), nos últimos anos algumas concessionárias podem ter transferido investimentos na rede para remunerar acionistas. As ações de empresas do setor costumam pagar elevados dividendos em relação ao preço da ação. Se isso ocorreu, diz a Aneel, os acionistas que ganharam agora vão perder no próximo ciclo de revisão.

Para Lúcio Reis, diretor-executivo da Associação Nacional dos Consumidores de Energia Elétrica (Anace), a crise econômica recente também tem sua responsabilidade na precarizaçãodaqualidade das redes. Com expectativa de redução de consumo e, por consequência, da receita, as concessionárias seguraram parte dos investimentos previstos. “Não concordo que nossa tarifa seja baixa e, portanto, limite investimentos na rede, porque temos uma das tarifas mais elevadas do mundo.” Para ele, outro tema controverso no setorpode ter levado a uma degradação nas redes das distribuidoras: a incerteza quanto à renovação dos contratos, que vencem a partir de 2015.

Outra crítica dos consumidores com relação à qualidade da energia diz respeito à atuação da Aneel. Nos últimos anos, do total arrecadado com a Tarifa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica — alíquota de 0,5% do valor econômico agregado pelo concessionário —, só metade é destinada à agência. A outra metade vai para o superávit primário.

Nos últimos quatro anos, o valor arrecadado com a tarifa foi de R$ 1,37 bilhão, mas a Aneel recebeu só R$ 559 milhões, pouco mais de 40%. A agência usa esses recursos na fiscalização da execução dos investimentos prometidos pelas distribuidoras. Apesar dos percalços, ela adotou recentemente medidas regulatórias que significam fiscalização cada vez mais rígida. Rufino, da Aneel, diz que a agência tem sido e será “implacável” com as distribuidoras.

Ele lembra que, desde o começo do ano, a agência adotou a posição de exigir indenização das distribuidoras aos clientes, se houver rompimento do teto de número de interrupções ou prazo de horas sem luz. Apenas por falhas em janeiro, Ampla e Light terão de responsabilizarse por mais de R$ 5 milhões em indenizações, além das multas por romper os limites de qualidade.

O preço das tarifas está ligado à satisfação dos consumidores, porque eles estão mais preocupados coma qualidade dos serviços, diz Ricardo Vidinich, superintendente de regulação da Aneel. Segundo levantamento do Índice Aneel de Satisfação do Consumidor (Iasc), os clientes tendem a aprovar mais a empresa que tem boa qualidade, mesmo que o custo seja alto.

A Cemar, do Maranhão, é um exemplo dessa relação. Os maranhenses passaram anos convivendo com quedas de fornecimento no iníciodadécada, quando aempresaesteve praticamente quebrada. Hoje, restaurada e sob o controle da Equatorial Energia, a sua tarifa é a segunda maior do país, mas isso não impede que ela esteja entre as dezmelhores, segundo avaliação de seus clientes. A Boa Vista, de Roraima, tem a segunda menor tarifa do país e é a segunda distribuidora que menos agrada aos clientes. Mesma situação vive a CEB, com a menor tarifa.

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