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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Elétricas têm de investir R$ 2 bi em P&D e eficiência até dezembro

Atraso na destinação de 1% da receita para projetos de melhoria do sistema criou saldo



As empresas de energia elétrica estão correndo contra o tempo para investir ainda neste ano mais de R$ 2 bilhões em programas de eficiência energética e de pesquisa e desenvolvimento, obrigatórios por lei. São recursos que já deveriam ter sido aplicados ao longo dos últimos anos, mas ficaram parados no balanço das companhias. Hoje, o volume é cerca de quatro vezes maior que a obrigação anual que elas têm.



Em meio à complexidade dos projetos e também do receio de ver seu faturamento encolher com os programas de eficiência energética, as distribuidoras foram adiando os investimentos obrigatórios, um procedimento autorizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), desde que o saldo fosse corrigido anualmente pela Selic, a taxa básica de juros.



Um levantamento feito pelo Valor nos balanços de 16 grupos que possuem empresas de energia com capital aberto mostra que os maiores investimentos deverão ser feitos pela Cemig, AES, Light, CPFL, Neoenergia, Copel e Celesc, nessa ordem. A Cemig tem um estoque de cinco anos não investidos e precisa aplicar neste ano R$ 400 milhões. Na AES, só a Eletropaulo registra um passivo de R$ 200 milhões. Algumas empresas, como a Celesc que tem R$ 154 milhões a investir, tentam convencer a Aneel de que não terão tempo para fazer as aplicações pela dificuldade de encontrar projetos para aplicar tantos recursos de uma só vez.



Os motivos apresentados pelas companhias para justificar o acúmulo desses recursos em seus caixas, apesar de os consumidores já terem pago, são muitos. Vão desde as constantes alterações de regras até a demora da Aneel em aprovar os projetos. Mas, no caso dos programas de eficiência energética, outra realidade está por trás dos números: a perda de receita. A exdiretora da Aneel Joísa Dutra resume bem a questão: “Não é da lógica do negócio de uma distribuidora de energia querer vender menos, porque isso afeta seus resultados. E um bom programa de eficiência energética leva ao menor consumo de energia”.



Em pesquisa e desenvolvimento (P&D) as dificuldades são ainda maiores, já que a quantidade de projetos é imensa para fazer frente aos cerca de R$ 1 bilhão que precisam ser investidos neste ano. Na média, esses projetos requerem apenas alguns milhões de reais e por isso a dificuldade. Sem contar que até 2008 a Aneel exigia que todos os projetos de P&D fossem analisados pela agência, o que atrasava a análise e muitas vezes, depois que os projetos eram aprovados, tecnologicamente o investimento não valia mais a pena.



A Aneel reconhece que fez constantes mudanças, o que colaborou para o atraso dos investimentos. Mas o superintendente de P&D e de eficiência energética da agência, Máximo Pompermayer, diz que de qualquer forma as empresas tiveram tempo para se preparar para a mudança da regra, que prevê que a partir de janeiro de 2011 será possível ter no passivo apenas o acumulado de dois anos de investimentos.

“Mas estamos levando em consideração a mudança da lei neste ano, que exigiu que o percentual dos investimentos em eficiência energética para baixa renda fossem de 60% e por isso podemos pensar em dar mais um prazo”, diz Máximo. Apesar de esses recursos já terem sido pagos pelo consumidor na tarifa, Máximo diz que o fato de as companhias pagarem uma remuneração equivalentes à Selic nos valores que não foram investidos é bom para o consumidor.



Os dados da Aneel mostram que os projetos em eficiência energética cadastrados desde 2008 na agência vão requerer investimentos de R$ 1,35 bilhão e com esses recursos serão trocadas 320 mil geladeiras, mais de 11 milhões de lâmpadas fluorescentes e quase 12 mil ares-condicionados. Ou seja, o que muitas vezes ganha conotação de doações das empresas é de fato obrigação delas.



O volume é grande a ser investido. Para se ter uma noção, entre os anos de 1998 e 2007, ou seja, em dez anos o total aplicado foi de R$ 1,9 bilhão. Em P&D, entre 1998 e 2009 foi de R$ 1,5 bilhão.



Dados da Aneel mostram que o valor acumulado em dezembro de 2009 era de R$ 1,2 bilhão em P&D, cerca de quatro vezes o valor anual a ser investido, e em eficiência energética R$ 870 milhões, três vezes o valor anual. Todas as empresas são obrigadas a investir 1% de suas receitas. As distribuidoras de energia, entretanto, são as únicas obrigadas a investir em programas de eficiência energética.



“Sabemos que não vamos conseguir cumprir as regras da Aneel”, diz o gerente de gestão técnica-comercial da Celesc, Luiz Antonio Garbelotto. “É impossível. Precisamos de pelo menos quatro anos para fazer todo esse investimento.” O executivo diz que o principal motivo para a Celesc acumular um saldo de R$ 107 milhões para investir em eficiência energética foi a forma como os projetos precisam ser contratados. “Como somos uma empresa pública, todos os investimentos precisam passar por licitação, o que atrasa o andamento deles”, explica o executivo.

Já a Cemig, que tem o maior volume a investir, garante que vai usar todos os recursos ainda este ano. A companhia informou que o maior entrave que teve foi também com os processos licitatórios que é obrigada a cumprir (veja reportagem abaixo). Outras empresas como Neoenergia, CPFL e AES não deram maiores explicações.


Aneel estuda prorrogação condicional 

Os técnicos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vão propor à diretoria colegiada a prorrogação de um ano para que os recursos sejam investidos, mas apenas para as empresas que já apresentem um cronograma detalhado de onde vão investir o dinheiro. De acordo com o superintendente da Aneel, Máximo Pompermayer, a proposta deve ser apresentada em breve. “Mas as empresas precisam saber que elas vão ter de pôr o pé no acelerador.”


Na parte de investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento, os técnicos também vão propor alguns projetos estratégicos para que as empresas possam contribuir com o caixa dos investimentos obrigatórios. Entre os novos programas, a agência vai propor estudos mais aprofundados para a adoção de um sistema de redes inteligentes e também as melhores formas de se desenvolver em grande escala. Além disso, serão propostos projetos para estudo de regras para a transferência de energia entre os países do Cone Sul e ainda um estudo sobre os impactos ambientais de usinas hidrelétricas.

Exigência cria oportunidade para novos negócios no setor
 
 
Se de um lado as empresas de energia estão preocupadas com os R$ 2 bilhões que precisam aplicar em programas de eficiência energética e pesquisa, de outro, elas já estão buscando meios de também lucrar com esse movimento vendendo esses serviços a terceiros.




A Endesa, holding que abriga distribuidoras Ampla e Coelce, está criando uma nova companhia de eficiência energética. “O setor de energia é muito regulado. Quem pauta a rentabilidade é a Aneel, praticamente. É preciso buscar um ganho nos serviços não-regulados”, diz André Moragas, diretor de relações institucionais da Ampla. Outra vantagem que a companhia vê em entrar no segmento de eficiência energética é o fato de a empresa, em vez de perder, ganhar com a preocupação dos clientes em reduzir as despesas com energia.



No mês passado, a Light também demonstrou o apetite que tem pelo setor: comprou 51% da Axxiom Soluções Tecnológicas por R$ 4 milhões. Segundo o presidente da empresa, Jerson Kelmann, o objetivo é usar a empresa para desenvolver programas de pesquisa e desenvolvimento.

A Light já possui uma empresa de eficiência energética, a Light Esco, que recentemente vem ganhando mais atenção dentro dos planos de crescimento da distribuidora. Dentro dela, está a EBL, uma companhia que tem como foco a redução do consumo de energia no setor de telecomunicações. Além da própria Light, a EBL tem como sócios a BR Distribuidora e a Ecoluz, uma empresa especializada em eficiência energética.



Esse movimento das distribuidoras encontra justificativa no que vem acontecendo com as companhias que já prestam serviços especializados. Elas são desconhecidas dos consumidores e estão bem longe da casa dos bilhões de faturamento, mas em meio à onda de investimento estão com agenda lotada de clientes e já começam a entrar no radar dos investidores.



“Há muitos processos de concorrência na rua dos mais diversos setores, acompanhando uma tendência mundial”, diz Ricardo David, conselheiro da Ecoluz, que tem um fundo da Rio Bravo como sócio. A empresa projeta alcançar um faturamento de R$ 12,5 milhões este ano, o dobro do registrado em 2009.



Na APS Soluções em Energia, que recebeu um aporte de R$ 10 milhões do fundo da DGF, a agenda dos funcionários está lotada até setembro, sem espaço para novos trabalhos.


  • 21 Jul 2010



  • Valor Economico



  • Josette Goulart e Carolina Mandl



  • De São Paulo
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