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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Sistema elétrico muda pouco após blecaute em 18 Estados

  • 10 Nov 2010
  • Valor Economico
  • Josette Goulart
  • De São Paulo


Um ano depois, apenas investimentos emergenciais foram feitos


Exatamente um ano depois do blecaute que afetou 18 Estados brasileiros, o quadro das providências tomadas e as consequências verificadas mostram que algumas mudanças serão necessárias, mas que pouco ainda foi alterado no sistema elétrico brasileiro desde que cidades inteiras, como Rio e São Paulo, ficaram completamente às escuras, por horas à fio. As fiscalizações da Aneel foram realizadas e responsabilizaram nove empresas, principalmente a Eletrobras Furnas, pelo ocorrido.
A qualidade dos fiscais, entretanto, é questionada pelo ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, que afirma que as condições climáticas é que resultaram no apagão. Mas mesmo no grupo de trabalho formado no âmbito do Comitê de Monitoramento do Setor elétrico (CMSE) chegou-se a conclusão que a hipótese de raios é a mais provável, mas não pode ser comprovada.
Em investimentos por enquanto contabilizados estão apenas os R$ 7 milhões emergenciais para proteger a subestação de Itaberá, ponto de origem do apagão do ano passado, de chuvas mais intensas. Outras subestações, que ligam Itaipu a São Paulo, estão tendo de mudar sua blindagem para aumentar a capacidade de deter raios que possam desestabilizar a transmissão. Como consequência, a usina de Itaipu tem gerado menos energia e chegou a produzir 30% menos nos primeiros meses do ano.
De concreto até agora é que a conta do blecaute vai chegar aos consumidores em função do acionamento de usinas termelétricas, com a redução da geração de energia da maior fornecedora do país. O consultor Mário Veiga, da PSR Consultoria, acredita que mesmo a situação de reservatórios secos vivida hoje, que fez com que o uso de geração térmica fosse intensificado neste fim de ano, não ocorre apenas em função do clima seco provocado pelo La Niña.
As águas que chegam em Itaipu são liberadas de uma série de usinas que estão acima, no rio Paraná, explica Veiga. Com uma gigante como Itaipu gerando menos energia, as usinas anteriores precisam gerar mais e liberam mais água rio abaixo. Mas quando essa água chega a Itaipu, ela é vertida, ou seja, jogada fora, já que a usina não pode gerar a plena capacidade. “No início do ano, as chuvas eram tão abundantes que os reservatórios transbordavam”, diz Veiga. “Logo, era para termos água suficiente nos reservatórios, mesmo com o tempo seco.”
O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema (ONS), Hermes Chipp, diz, entretanto, que toda a redução de Itaipu foi compensada basicamente com usina termelétrica, logo, não seria responsável pela redução de reservatórios. De qualquer forma, o ONS informa que algumas mudanças na operação do sistema terão que ser feitas. Uma delas, que já está sendo usada, é a utilização de uma proteção tripla, conhecida como N-3, nas linhas que ligam Itaipu a São Paulo, quando existe condição atmosférica desfavorável. Isso significa que, em alguns momentos, Itaipu continuará a gerar menos energia.
Mas até agora essa foi a única mudança de operação. Existem outras que estão sendo estudadas pelo ONS, principalmente para reduzir o tempo de recomposição do sistema. Uma delas como forma de evitar que as usinas nucleares de Angra se desliguem totalmente. Outro ponto é tentar buscar alternativas para o manual dos equipamentos em geral, que prevê que eles sejam desligados automaticamente para evitar que queimem. Chipp acredita que é possível reduzir essa restrição. Além disso, também para evitar um novo blecaute na magnitude do que ocorreu no ano passado, está sendo estudada uma recomposição diferente no Estado do Espírito Santo, usando linhas de Minas Gerais. Essas medidas novas só devem entrar em operação a partir de maio do ano que vem. E os riscos só foram percebidos, segundo Chipp, depois de ocorrido o apagão.
O ONS, entretanto, foi uma das empresas multadas pela Aneel. O risco de apagão era iminente, segundo alguns técnicos, pois as condições operativas em função de chuvas já estavam prejudicadas e algumas quedas significativas foram verificadas muito antes do dia 10 de novembro. Isso significa que o blecaute poderia ter sido evitado, se já estivesse sendo usada a proteção tripla. O operador está recorrendo da multa, assim como as outras dez empresas multadas em função do apagão.
A fiscalização mais forte se deu em cima de Furnas, já que foi em uma subestação da empresa que se originou o apagão. A equipe de fiscalização da agência detectou sérios problemas de manutenção, que estariam sendo causados por anos de negligência. Foi esse relatório da Aneel que levou a um embate entre agência e ministério.
Zimmermann afirma que não havia problema de manutenção em Furnas, mas sempre levando em conta relatório feito pela própria usina. O professor Sidnei Martini, que durante muitos anos foi presidente da Cteep, diz que de fato os relatórios de manutenção das empresas de transmissão são altamente detalhados. Mas lembra: “São feitos pelas próprias empresas.”
A Aneel, entretanto, se calou diante do assunto. Apesar de ter repassado informações sobre as fiscalizações que realizou, o diretor-geral, Nelson Hubner, não quis conceder entrevista. Na época em que o relatório de Furnas foi divulgado, alguns diretores da agência chegaram a questionar a posição de não sair em defesa de seus próprios técnicos, fortemente atacados em sua reputação. Mesmo assim nada aconteceu.
Oassunto apagão parece ter se transformado em um tabu dentro do governo federal. A falta de transparência também acabou sendo um dos ingredientes nesse período, quase como um reflexo da declaração do então ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, que dois dias depois do blecaute queria decretar o assunto encerrado. Mesmo um ano depois, Furnas se recusa a falar sobre o tema e inclusive barrou a entrada da reportagem do Valor na subestação de Itaberá, interior de São Paulo. Os funcionários foram proibidos pela direção da empresa até de mostrar onde estavam os famosos “chapéus chineses”, uma espécie de guarda-chuva usado para proteger os equipamentos de chuvas intensas.
Algumas explicações do que foi feito em Furnas vieram do próprio ministro de Minas e Energia e do atual diretor-geral do Cepel (centro de estudos do setor elétrico que tem como principal mantenedor a Eletrobras), Albert de Melo. Melo inclusive revela, que ao contrário do que um leigo pode pensar, os raios que podem causar um apagão são os mais fracos e não os mais fortes. As subestações são protegidas contra raios acima, em média, de oito quilo-amperes (kA). A de Itaberá estava protegida de raios acima de 11 a 15kA. Mas chegou-se à conclusão que é preciso fazer uma blindagem maior. Hoje, Itaberá tem proteção para raios acima de 5 kA e as subestações de Ivaiporã, Foz do Iguaçu e Tijuco Preto, que compõem o sistema Itaipu, também deverão ser alteradas.

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